A anorexia nervosa é considerada uma perturbação do comportamento alimentar e atinge cerca de 1% da população. Pode surgir em qualquer faixa etária e afetar indivíduos de ambos os sexos, embora seja mais prevalente em jovens adolescentes do sexo feminino.
O quadro clínico é habitualmente complexo e caracteriza-se por uma preocupação exagerada com o peso, acompanhada de uma distorção na forma como o indivíduo se perceciona. Esta distorção cognitiva da imagem corporal está presente, ainda que o peso corporal possa ser extremamente reduzido. Habitualmente, fatores de ordem social podem ser determinantes na génese e manutenção da doença, sobretudo quando existe um terreno de vulnerabilidade biologicamente determinado.
Numa fase inicial, há uma diminuição da ingestão de alimentos, que é autoimposta de forma rígida e que não se associa, na maior parte das vezes, a uma verdadeira diminuição do apetite. A par desta conduta alimentar extremamente restritiva, onde não há lugar para certo tipo de alimentos, surgem muitas vezes outras estratégias que potenciam a perda de peso, como a prática de exercício físico intenso, a indução de vómito ou o uso de laxantes e diuréticos.
Para além dos sintomas nucleares da doença, surgem muitas vezes outras queixas psiquiátricas, como o humor depressivo, a ansiedade aumentada, as alterações do padrão habitual de sono, o isolamento social, os sentimentos de tristeza, culpa e desvalorização pessoal.
A médio e longo prazo, as consequências para a saúde física podem ser muito graves, colocando mesmo em risco a vida do indivíduo. Anemias por défice de nutrientes, alterações em análises de rotina ou amenorreia são apenas alguns exemplos que merecem atenção. A procura de ajuda médica acontece geralmente em fases tardias da evolução da doença, muitas vezes em situações de desnutrição severa, com eventual compromisso da função de vários órgãos e sistemas.
Muito embora fundado em critérios clínicos, o diagnóstico desta perturbação requer uma avaliação mais cuidada, sendo necessários exames complementares de diagnóstico que permitam, por um lado, excluir outras doenças que cursam com perda de apetite e diminuição de peso, e por outro avaliar, nos casos em que se confirme o diagnóstico, o rebate no organismo de um estado prolongado de privação autoimposta de alimento.
A doença apresenta muitas vezes um curso crónico e o tratamento pode ser longo e difícil. O não reconhecimento da doença e a relutância em aceitar o projeto terapêutico são, porventura, o maior entrave ao tratamento. Se, nos casos de gravidade ligeira a moderada, pode ser tentado em ambulatório, com acompanhamento regular em consulta, nos casos mais graves pode ser necessário um internamento hospitalar em regime integral ou parcial. A juntar ao acompanhamento por um médico psiquiatra, pode ser necessária a intervenção de outros técnicos de saúde, designadamente psicólogos, nutricionistas ou médicos de outras especialidades.
Não sendo fácil compreender quando estamos perante esta perturbação, como é possível para os pais, principalmente, distinguirem uma simples dieta da anorexia nervosa? E em que situações devem ficar alarmados porque o/a filho/a adolescente não come?
A dieta é uma restrição qualitativa ou quantitativa de alimentos, habitualmente por um curto período de tempo, e que visa um objetivo específico, como a perda de peso. Quando é feita de forma rígida, sem critério, e quando coloca em risco a saúde do indivíduo, pode constituir o ponto de partida para situações de doença, falemos nós de anorexia nervosa ou outra perturbação do comportamento alimentar. Existem sinais de alerta que devem ser encarados com seriedade, principalmente na época do verão, altura em que os jovens se preocupam especialmente com o seu aspeto físico:
- Tenha em atenção as dietas demasiado rígidas, em que nunca há lugar para a “transgressão” e que incluem “alimentos proibidos” (doces, farináceos…);
- Apesar da perda de peso, a pessoa com anorexia continua a achar que tem peso a mais e é precisamente esta distorção da autoimagem que constitui um dos aspetos nucleares do quadro;
- Por vezes, e de forma quase paradoxal, podem existir episódios de ingestão alimentar compulsiva, que se caracterizam pela ingestão de uma quantidade exagerada de alimentos, a que sobrevêm muitas vezes sentimentos de culpa e arrependimento;
- Esteja atento às estratégias compensatórias: o vómito após a refeição, as idas ao ginásio cada vez mais frequentes, ou o uso de substâncias que promovem a perda de peso;
- Pensamentos constantes sobre comida e contagem de calorias são também sinais de alerta.
Importa referir que, em caso de dúvida, a procura de ajuda profissional é sempre uma boa opção.
Autora: Elisabete Albuquerque, psiquiatra da UPPC
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