Com a saída da União Europeia (UE), o Reino Unido deve negociar novos acordos comerciais internacionais para substituir os existentes, enquanto membro da UE. Os Estados Unidos da América (EUA) são um dos parceiros comerciais mais importantes do Reino Unido depois da União Europeia, e um acordo de comércio bilateral entre EUA-Reino Unido é considerada uma das prioridades chave do pós-Brexit.
Para alguns especialistas, o acordo comercial pós-Brexit entre o Reino Unido e os EUA, atualmente em discussão, ameaça aumentar os preços dos medicamentos e pode mesmo colocar em risco o Serviço Nacional de Saúde (NHS, sigla em inglês) do Reino Unido. O estudo está publicado na revista The Lancet.
Os especialistas descrevem como a segmentação dos EUA do chamado ‘foreign free-riding’ em acordos comerciais pode levar a um mau acordo sobre produtos farmacêuticos para o Reino Unido pós-Brexit. Os autores do artigo levantam preocupações sobre a possibilidade dos EUA pressionarem o Reino Unido a mudar a forma como regula os preços dos produtos farmacêuticos nos acordos comerciais.
Políticas dos EUA para controlar acordos estrangeiros
Alguns medicamentos nos EUA possuem dos mais altos preços do mundo, levando as pessoas com dificuldades económicas a ter baixas condições de saúde. O Governo dos EUA não negoceia os preços dos medicamentos com as farmacêuticas, e o Medicare (Programa de seguro de saúde) está proibido por lei de o fazer. Além disso, o Affordable Care Act impede que a Food and Drug Administration (FDA) e a Secretary of Health and Human Services tomem decisões de aprovação de medicamentos com base numa relação custo-benefício.
Atualmente medicamentos similares são geralmente mais baratos no Reino Unido, onde o governo negocia preços com empresas farmacêuticas por meio do Pharmaceutical Price Regulation Scheme, e o NHS faz compras com base em avaliações clínicas e de custo-benefício do National Institute for Health and Care Excellence (NICE).
Em maio de 2018, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos apresentou o modelo American Patients First, delineando medidas para reduzir os preços dos medicamentos nos EUA, o que inclui exercer pressão sobre outros países para permitir que os preços dos medicamentos aumentem.
O Presidente Trump afirmou que “como exigimos justiça para os pacientes americanos em casa, também exigiremos justiça no exterior. Quando os governos estrangeiros extorquem preços excessivamente baixos das empresas farmacêuticas norte-americanas, os americanos precisam pagar mais para subsidiar o enorme custo da investigação e do desenvolvimento”.
A Administração Trump critica os sistemas de saúde dos outros países que impõem controlos sobre os preços dos medicamentos e acusa os governos estrangeiros de não pagarem a parcela justa de investigação e desenvolvimento para colocar medicamentos inovadores no mercado.
No entanto, os especialistas argumentam que a interpretação ignora o alto custo dos medicamentos para os pacientes, e que os medicamentos devem ter preços de acordo com o benefício que proporcionam. E levantam preocupações de que, em vez de abordar as questões inerentes ao financiamento do desenvolvimento de medicamentos, a American Patients First representa os interesses das empresas farmacêuticas e tem o objetivo de manter ou aumentar as receitas.
O “American Patients First é uma tentativa do governo Trump de transformar o problema dos preços de medicamentos dos EUA em problemas para todos os outros”, referiu autor principal do estudo, Holly Jarman, da Universidade de Michigan, EUA. “Ao transferir os custos económicos e sociais das políticas dos EUA para os parceiros comerciais dos Estados Unidos, o Governo Trump tenta mostrar aos eleitores que está a fazer alguma coisa para alterar os altos preços dos medicamentos, ao mesmo tempo que proporciona benefícios às empresas farmacêuticas e a simpatizantes doadores da campanha.”
Potenciais efeitos pós-Brexit para o Reino Unido
Com a política American Patients First e uma reviravolta nos acordos de comércio protecionistas e pró-americanos, os autores do estudo acreditam que os EUA vão pressionar para alterar a regulamentação de medicamentos em futuras negociações comerciais com o Reino Unido, e isso levanta preocupações, porque a capacidade de firmar acordos comerciais é um poder do executivo no Reino Unido.
Tamara Hervey, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, outra autora do estudo, referiu: “Embora os acordos tenham de ser ratificados pelo Parlamento, o Parlamento não pode alterar o acordo que o Governo negoceia, ou estar diretamente envolvido quando a negociação tem lugar. Além disso, os grupos de saúde raramente são consultados sobre acordos comerciais, e o Parlamento e outras partes interessadas focadas na saúde têm oportunidades limitadas de responsabilizar o governo nas suas negociações comerciais.”
Com o Brexit a Lei de Comércio introduzida este ano, se vier a ser aprovada poderá limitar ainda mais o escrutínio parlamentar e público sobre os acordos comerciais entre EUA e Reino Unido.
Ainda recentemente, o Reino Unido não possuía um Ministério do Comércio capaz de proceder a negociações complexas como ao contrário dos EUA que é altamente experiente. Os autores do estudo reterem que é improvável que o Reino Unido consiga um acordo melhor com os EUA do que com a União Europeia, já que o mercado do Reino Unido é muito menor que o da UE, o que significa que o Reino Unido tem menos poder nas negociações.
Por último, os autores levantam preocupações de que os produtos farmacêuticos venham a fazer parte de um acordo comercial mais amplo entre o Reino Unido e os EUA, e assim o Reino Unido comprometa a possibilidade de fazer melhores negócios com outros países.
Para Martin McKee, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, membro do conselho consultivo da Healthier In, e também autor do estudo, “talvez a questão seja até que ponto os políticos do Reino Unido estão dispostos a defender o atual regime regulatório num contexto de risco para suas carreiras políticas.”
O especialista conclui que comunidade deve pressionar o governo do Reino Unido para deixar claro que o país não está disposto a deixar o regime de avaliação de preços e medicamentos do Reino Unido dependente de negociações comerciais com os EUA.