A doença de Parkinson é causada pela morte das células cerebrais que produzem um neurotransmissor, a dopamina, numa parte do cérebro chamada substância negra. Há muito tempo que os cientistas tentam perceber por que é que a falta destes neurónios ‘dopaminérgicos’, ou seja, que produzem dopamina, conduz aos sintomas motores característicos da doença de Parkinson: rigidez, lentidão e tremores.
A explicação mais geralmente aceite para os sintomas motores da doença de Parkinson tem sido que, para nos movimentarmos normalmente, o cérebro precisa, em permanência, de determinados níveis de dopamina, que no caso dos doentes com Parkinson esses níveis vão-se perdendo progressivamente.
Agora, um novo estudo desenvolvido por cientistas do Centro Champalimaud e da Universidade Columbia e já publicado na revista ‘Nature’ constitui um passo importante na compreensão da função normal precisa destes neurónios que produzem a dopamina.
Joaquim Alves da Silva, psiquiatra, neurocientista e primeiro autor do estudo, indicou que na realidade os doentes com Parkinson “não têm um problema global de movimentação”, pois até conseguem andar de bicicleta, que é uma tarefa motora bastante complexa, se receberem um empurrão na altura certa.
O cientista explicou que as perturbações motoras dos doentes são mais específicas, pois “o problema dos doentes com Parkinson reside na dificuldade para iniciar o movimento e na lentidão do movimento”.
Os cientistas com recurso a ratinhos sem doença de Parkinson, mostraram que para um movimento decorrer corretamente basta uma ‘pitada’ de dopamina, ou mais precisamente, um pico de atividade das células dopaminérgicas, logo antes do início do movimento. A dopamina, ou neste caso, a atividade das células que a produzem funciona apenas como ‘gatilho’ que desencadeia os movimentos voluntários.
“O nosso resultado mais importante é que mostrámos, pela primeira vez, que a alteração de atividade neuronal serve efetivamente para facilitar, para promover o movimento” esclareceu Joaquim Alves da Silva. Os cientistas mostram também pela primeira vez, “que o pico de dopamina que antecede a iniciação de um movimento não modula apenas a iniciação, mas também o vigor desse movimento”.
Estudos anteriores já apontavam para o efeito da dopamina na iniciação do movimento, mas o cientista referiu: “O nosso laboratório e outros já mostraram que, em condições normais, há um aumento transitório da atividade das células produtoras de dopamina, aumento que parece anteceder a iniciação do movimento”, no entanto, “faltava saber se a essa atividade neuronal era importante sobretudo para iniciar o movimento ou se era também importante durante a sua execução.”
Os cientistas recorreram à técnica de optogenética, que permite, devido à utilização de um laser, ‘ligar’ ou ‘desligar’ muito rapidamente neurónios que são especificamente sensíveis, devido a uma manipulação genética, à injeção de luz através de uma fibra ótica.
O neurologista explicou: “Nas nossas experiências em ratinhos, tínhamos assim a certeza de que só estávamos a registar a atividade de células dopaminérgicas” da substância negra.
Os cientistas colocaram os ratinhos numa ‘arena’ onde podiam movimentar-se livremente, e foram medindo, com recurso a sensores de movimento, e com grande precisão, se os animais estavam ou não a movimentar-se. Foram registados os neurónios identificados como dopaminérgicos e assim observaram “que havia um pico transitório de atividade em muitas dessas células antes do movimento.”
As células dopaminérgicas foram ativadas ou inativadas com um laser pelos cientistas que observaram que, quando os ratinhos se encontravam imóveis, bastava “ativar os neurónios durante meio segundo para promover o movimento, e com maior vigor, do que sem a atividade desses neurónios.”
Os cientistas verificaram que se os neurónios fossem ativados quando os ratinhos estavam em movimento, eles “continuavam a fazer o que estavam a fazer” sem qualquer alteração quer do movimento, quer do vigor do movimento (medido pela aceleração). Da mesma forma, os movimentos já iniciados decorriam normalmente mesmo que a atividade das células dopaminérgicas fosse entretanto inibida.
Rui Costa, o cientista que liderou o estudo, referiu: “Estes resultados mostram que a atividade dos neurónios dopaminérgicos pode funcionar como um mecanismo para permitir ou não a iniciação dos movimentos” e “permitem explicar por que a dopamina é tão importante na motivação e também por que a falta de dopamina na doença de Parkinson conduz aos sintomas que se conhecem.”
Para os cientistas os resultados do estudo podem vir a permitir desenvolver tratamentos contra a doença de Parkinson com menos efeitos secundários.
Rui Costa explicou que atualmente, a doença de Parkinson é em geral tratada com uma substância chamada levodopa, que ao transformar-se em dopamina no organismo, alivia os sintomas parkinsonianos. “Mas a levodopa eleva os níveis de dopamina em contínuo, não apenas quando nos queremos mover.”
Para o investigador, a utilização de levodopa a longo prazo acaba por provocar outras disfunções motoras, principalmente, movimentos corporais erráticos e involuntários, e acrescentou: “O nosso estudo sugere que estratégias capazes de aumentar os níveis de dopamina quando existe um desejo de se mover poderiam funcionar melhor.”
Nos casos em que os doentes não respondem ou não suportam o fármaco, existe um tratamento alternativo, indicado por “estimulação cerebral profunda”, que consiste “em implantar no cérebro dos doentes uma espécie de ‘pacemaker’ de alta frequência para bloquear os sinais elétricos anormais que se geram nas regiões cerebrais que controlam os movimentos, dificultando a iniciação dos movimentos pelos doentes.”
É conhecido que a estimulação cerebral profunda melhora substancialmente os sintomas da Parkinson, mas que também pode ter efeitos adversos. No estudo agora publicado os cientistas sugerem “que talvez seja melhor estimular o cérebro apenas nas alturas em que o doente quer iniciar um movimento, facilitando não só a iniciação, mas também regulando o vigor do movimento. A se concretizar esta possibilidade, a estimulação cerebral profunda tornar-se-ia mais fisiológica, mais “natural”, com menos efeitos indesejáveis.”